Vou me formando de um pouco de tudo o que acaba, e
obviamente de tudo o que sempre permanece. Dos primeiros aos últimos intercalando os eternos.
Sou um pouco da minha primeira boneca, do primeiro batom, do
primeiro perfume. Do meu primeiro passeio de pedalinho, do primeiro algodão doce, do primeiro
beliscão, do primeiro castigo e do primeiro 10 na escola. Do primeiro beijo, da
primeira vez, do primeiro amor, da primeira decepção. Do primeiro chifre, da
primeira poesia e da primeira música que compus. Do primeiro porre, da primeira
sms que mandei entorpecida, da primeira lágrima de amor, do primeiro abraço de
perdão. Do primeiro colo que me consolou, do primeiro Eu te amo dito
publicamente e da primeira lembrança de todas as primeiras coisas.
Sou muito dos últimos acontecimentos. Do último fracasso na
faculdade, da última crise de depressão, do último beijo, do último perfume que
impregnou meus travesseiros. Da última
bebedeira pra esquecer o que se quer é esquecível, da última vez, do último
amor, da última vontade e da última coisa que me fez chorar.
Assim são todas as pessoas. Uma parte daquilo que é primeiro
ou que é último, mas que faz parte daquele momento que te marcou a memória, o coração e as vezes até
o corpo.
O fato é que somos parte de tudo o que acaba. E tudo acaba o
tempo todo em qualquer parte do mundo.
Em alguns segundos você pode deixar de ser parte dos planos
de alguém e pode ser o suspiro de outro. Pode arrancar um sorriso bobo, uma lágrima, um calafrio. Você é desde aquela inicial gravada numa
árvore àquele arranhão que marcou alguém por amor. Você se eterniza a cada ação que deixou em
alguém a nível físico ou sentimental. Por isso cada momento é importante.
Somos feitos de instantes assim como os quebra-cabeças são
feitos de pequenas peças e um castelo pode ser montado de lego ou areia.
Sou aquele café da manhã que preparei com carinho e servi na
cama. Aquele machucado deixado sem pudor numa situação sem mais pudor ainda.
Aquela primeira vez daquele menino bobo e apaixonante. Aquela má resposta naquele outro. Aquele
sofrimento da adolescência de outro. Uma carta de amor no fundo da gaveta já
mofada após 15 anos, o motivo de uns terem aprendido a nadar e de outros terem
afogado. Aquela piada que não parecia ter a menor graça, mas se encaixou em uma
situação, aquele lugar, aquele cheiro de morangos e aquele motivo de brigas.
Quero ser aquele motivo de risos dele. Aquele telefone na
agenda com magnetismo com os dedos, aquele jardim bem cuidado com rosas que
espinham apenas quando se sentem ameaçadas. Quero ser o plano de alguém, o colo, o
conforto, a companhia. Quero ser o motivo de discussões interessantes e de
gargalhadas bem dadas nos momentos mais errados para aliviar a tensão.
Quero ser a tensão sem o n, roma ao contrário, o motivo de
se mostrar os dentes numa posição arqueada formando um ‘U’, o que parece nó na
garganta e é frio na barriga, o coração após chegar de uma corrida de São
Silvestre, a primeira gota de água após 30 minutos pedalando no sol de meio
dia, o oposto ao pesadelo, o inverso de sanidade, a tremedeira nas pernas, o
que vem na cabeça quando se quer pensar em outra coisa, o cobertor, o café
quente sem açúcar, o último fósforo e a última vela quando a luz acaba, a única
dose de conhaque que se tem em casa no inverno, o rolador de dados necessário
nas horas de solidão...
Aproveite e se faça
nos momentos. Somos realmente uma parte de tudo que acaba. E pequenos instantes
são as chances de se conquistar o que se quer. Faça uma boa imagem em poucos segundos. Isso pode custar a sua felicidade.