terça-feira, 24 de setembro de 2013

Ensaio sobre a fragilidade - parte 1

O que há por detrás daquele sorriso?

Há tempos quero escrever algo sobre o fato de as sensações sensoriais e emocionais serem diferentes nas pessoas as vezes. Em tese, são provadas em pesquisas que deveriam ser iguais ao menos em alguns pontos. Em prática, creio que não.

Muitas vezes, deitada em minha cama, ou mesmo em alguns delírios em momentos indevidos, penso em algo que me tira sono, fome, sede e sossego. O que há por detrás daquele sorriso?

O sorriso é em si uma demonstração de fragilidade? E quais os limites desta sensação? Precisa ser boa? Pode ser ruim? Pode ser um trauma? Alívio, loucura, paixão, ódio, desgosto, insensibilidade, asco? Quantos sorrisos damos e recebemos por aí...

Na famosa obra Monalisa, Da Vinci representou o que não via (Há sim por aí milhares de teorias, mas a verdade é que Da Vinci também tinha encantamento por sorrisos que não sabia o que expressavam - e esta é a minha verdade sobre tal. Além das correntes que pregam que ali não havia um sorriso). O quanto vocês entendem de sorriso afinal? O quanto eles entendiam?

Nunca fui amante de história, portanto não sou detentora de grandes conhecimentos dos movimentos artísticos que rodearam o mundo. É difícil admitir quantas coisas já passaram ao alcance de meus olhos e eu não tive a bendita fragilidade para prestar atenção. Também não fiz um curso de história da arte, não pesquisei a fundo e o que menciono é o básico. Portanto são conhecimentos leigos e possivelmente errôneos em vários âmbitos. Como diria um grande amigo: o cerne da questão apenas. E eis tal posicionamento: o movimento renascentista italiano a meu ver foi o que trouxe as incógnitas que são os sorrisos.

Vistos em desenhos, pinturas, esculturas, e então arrancados em músicas e outras expressões artísticas. Franz Halls com o Cavaleiro Sorridente me faz pensar em mil questões ao mesmo tempo. Por que ele quis representar o sorriso? O que ele via no sorriso que até então outros tão renomados artistas viam nas lágrimas e nos rostos sem expressão?

Parmigianino, seguindo os passos de Da Vinci mostra em uma obra chamada La schiava turca, um sorriso subliminar, pra mim como o de Monalisa, mas numa beleza diferente, mais ousada e com 'n' possibilidades discutidas pelos antropólogos, artistas e historiadores, e que provavelmente tem embasamento histórico.

E para que isso tudo?

O que entorpece loucamente é justamente ver não na história passada, mas agora no dia a dia, o que há por detrás de cada sorriso. Existem sorrisos tão tristes, tão deprimidos. Existem rostos sérios sorridentes e nossa fragilidade muitas vezes não se dá conta. E aí me vem claramente o pensamento - "Como isso é ridículo".

Não deveríamos então fazer um ensaio sobre a fragilidade? Se não um ensaio, meramente uma reflexão...

Sei que jamais conheceremos a fundo cada pessoa e cada expressão facial dela. Mas ao menos a minha fragilidade me exige que eu veja por detrás dos sorrisos, as pessoas que me cercam. Isso porquê eu sei o quanto o meu próprio sorriso é dado às custas de muitos espinhos engulidos. Quando eu mexo nas minhas feridas sei o quanto já menti a cada sorriso mais lindo que foi fotografado ou marcado na mente de algumas pessoas. E poucas são as que sabem que só sorrio do verdade com os olhos - e estes escondidos pelas lentes dos óculos sempre.

- O que te toca Natália? Se você esmiuçar até que não te machuque, a saída não é menos dolorosa?

Esta foi a pergunta que ele me fez. E desde então a fragilidade se aguçou mais. Não, eu não esmiucei em mim, mas passei a ver nos outros...

Tenho sido tocada pelos mecanismos que levam a pessoa a sorrir. Não os mecanismos motores, refletores, comandados pelos impulsos nervosos. Os que a vida desencadeou. Os mecanismos traumáticos, os desprendidos, os meramente babacas... O sorriso em si é dado por toda uma expressão corporal e não só pelo arquear dos lábios.

Monalisa, pintada numa posição fechada, para mim não estava sorrindo. E quantas Monalisas você vê por aí? Quantas pessoas ao seu redor que sorriem com os braços cruzados numa postura corporal tão fechada quanto uma cara ranzinza? Se é pra rir, que seja livre e não apenas para agradar ao mundo.

Como é triste um sorriso triste! Quantos mistérios ele esconde. Quantas seis situações? Quantos rostos conhecidos ou desconhecidos? Indagações demais para um ato tão simples.

Detrás do sorriso existem histórias... E quantas histórias...

E para se conhecer outrem, uma parte da história delas deve estar ao seu alcance. Senão não se conhece, apenas se vê e troca algumas palavras. Mas conhecer não é um ato fácil. Não tão fácil como conviver...

Se sua fragilidade te permite, ouse, pergunte, enxergue e se permita. Contigo? Não. Com os outros. Há quem fará por você.

As vezes ali há alguma mão precisando ser acariciada ou um colo sendo pedido com socorro detrás de um sorriso de 'oi, tudo bem?'.

Observe, afinal não custa nada ser uma pessoa melhor. E se for o caso, mexa nas feridas, tire cada fiapo, cada lágrima, jogue álcool por cima se for necessário. Pode parecer a mais errada das atitudes, mas acredite, não é.

Há dificuldade em se mexer nas feridas. Afinal, elas doem, ardem, massacram alma e coração. Mas dali, quem sabe pode surgir um sorriso de boa vontade, sem ato reflexo? Um sorriso não consciente? Coisas que só a fragilidade pode falar por nós.

Tentaram mexer em minhas feridas algumas vezes, e não conseguiram. Mas me colocaram a par da análise por detrás do sorriso. Me deram a arma para abrir horizontes para novas pessoas. E se Monalisa estivesse aqui, acho que agora bateríamos um longo papo.

O cavaleiro sorridente, já tem um tipo mais descolado. La schiava turca, uma posição sensual. O filme A vida é bela, me mostrou alguns sorrisos que poderiam existir nas guerrilhas. As grandes farras de Napoleão também. A arte de Aleijadinho em seus anjinhos barrocos me dá sensação de mais esperança nos sorrisos.

O que há detrás do sorriso daquele jardim? Talvez, nada...

Talvez seis espinhos cravados, talvez seis rosas mortas, talvez seis cadáveres enterrados, talvez seis monstros escondidos...

O que há por detrás do seu sorriso?

Afinal, quantos sorrisos damos e recebemos por aí...


sábado, 4 de maio de 2013

Uma nova e última leitura sobre o amor


              Ainda me lembro da primeira vez que passei os olhos sobre as escritas de Álvares de Azevedo. A primeira sensação? Paixonite aguda. E durante alguns anos, ele continuou sendo o top autor de cabeceira. Em todas as suas obras – mas de fato a que mais me encanta é Noites na taverna, ele traduziu em crônicas, prosas, poemas,  uma das minhas leituras sobre o amor. O amor é pessimista, melancólico, saudosista e até  libertino. Aos bons entendedores é óbvio o sentido detrás das palavras tristes.  O amor aguça a sensibilidade, e os que tem o tino para este comércio, farejam de longe qual for a emoção. 

             (E ao ler, os que se consideram amantes em potencial, pensarão: Libertino? Comércio? Ela nada sabe sobre o amor!)

                Eu imagino o olhar triste deste homem ao escrever cada uma de suas palavras e quisera ter nascido a tempo de conhecê-lo antes de seu último suspiro.  Ainda me soa estranho homens que falam de amor tão justamente e com conhecimento de causa. Verdade seja dita, ainda que os maiores nomes sobre o assunto sejam masculinos, em nosso dia a dia poucos são os que dissertam sobre o amor de maneira tão sincera.  (E eu tive o prazer de conhecer um!)

                Minha primeira leitura sobre o amor foi assim. Baseada em cores cruas, sem textura, frias, frígidas, maçantes, ingratas, inconstantes, egoístas. E há quem pense que isso não é amor! E há o meu pensamento de que o amor é assim, lhe deixa a flor da pele e suscetível ao menor resquício de impaciência que possa existir no olhar dele. E poucas são as pessoas que interpretaram Álvares, Olavo e Augusto desta forma. Eis a forma mais exata de se definir o amor. Exata e para poucos neste mundo.

                É certo o tanto adoro falar sobre flores, sorriso e gosto de morango. Tão certo quanto são lindos os dias de sol ao lado dele. Mas a continuidade é marcada pelas tempestades e pelo gosto de creme de barbear que aparecem ao menos uma vez por semana.  E isso é o amor.

                A nova e última não passa de uma releitura. Agora não só na teoria, mas vivenciada a cada encher e esvaziar de ar dos pulmões. Desde a primeira impressão, ao primeiro erro, e o último sorriso. E todas as sensações que mantém vivo o que muitas pessoas deixam morrer todo dia. Se depois de um terremoto, se reconstrói cada minúscula casa, existem dois sentidos: você não quer se mudar e vale a pena se manter naquele local. O sentimento mais lindo do mundo é coisa de perdedores, pois só os perdedores continuam lutando em prol do que tanto querem. Só os perdedores têm a sensibilidade para rever os erros e continuar lutando mesmo quando todo mundo os chama de fracassados. O que é o fracasso para quem ama? Um impulso de uma cama elástica. Uma psicologia reversa. Um tanque cheio de gasolina. Uma xícara de café nos momentos de sono. Uma noite bem dormida para quem precisa trabalhar no outro dia. O nascer do sol para quem precisa de inspiração.

                E se me perguntam o que é o amor, creio que eu defina de uma maneira diferente como meus grandes orientadores. Amar é optar pelo cultivo de seus próprios espinhos. É não se importar quando se é machucado e em alguns pontos até gostar da ferida. É entupir suas narinas para que ele possa respirar. É sentir o gosto de creme de barbear, escovar os dentes, sentir, escovar de novo e estar sempre comprando novas escovas. Porque vale a pena sentir o gosto ruim vez ou outra. É ter dois reais na carteira e comprar dois pacotes de miojo ao invés de uma coxinha. Ceder o melhor travesseiro, ter sempre o colo afofado, engolir o ódio e forçar que se está calmo para que ele não quebre o mundo na porrada.

                É o primeiro e último pensamento do dia, sendo também o motivo tanto de sonhos quanto de pesadelos.  O motivo dos sorrisos mais bobos e das lágrimas mais sofridas. Amar é não se importar em ferir seu orgulho, em deixar de ter espaço, em ser jogado pra fora da cama, em ser taxado de idiota, e tantos outros rótulos que os reprimidos inventam.

                Que os utópicos me perdoem ao romper o conceito de amor que querem defender. Que os reprimidos aceitem que não amam por não saberem amar. Que os invejosos amem alguém e passem a ver o quanto isso é bom e real.

                Sim. A minha leitura do amor não é perfeita e bela, é simplesmente honesta como um jornal de 25 centavos cheio de tragédia. Não tem muitas cores e nem as famosas borboletas no estômago. A minha visão mal do século tem uma certa tristeza enrustida. Assim é o amor, te massacrando o tempo todo para que você se torne uma pessoa melhor simplesmente para ter mais sorrisos e olhares ternos, para ver no outro o bem estar que quer para si mesmo. Ficar instável ou numa linha de trem esperando apenas ser atropelado para se recuperar e lá ficar novamente. Mesmo que isto custe a sua vida. Afinal, nada mais é só seu.

                 Eu vou construir a minha vida em cima de uma placa tectônica!  Isto sim me representa o amor.

                * Meu espinho está  personificado e datado com 26 invernos.  Tem em torno de um metro e meio de altura, cabelo escorrido, olhos pequenos, um mau humor gigantesco e o sorriso mais sedutor do mundo.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Do paraíso ao inferno


 Jack sempre teve hábitos e pensamentos diferentes. Diferentes e inconstantes. (Doutor, eu e Jack temos muito em comum). Era o típico homem que nenhuma mulher jamais possuiria por completo. Seus impulsos cerebrais atravessavam labirintos até chegar ao destino final. Era tipicamente uma pessoa complicada, sistemática e muitas vezes rabugenta. O carinho comigo era um tanto diferente do que possuía com as outras pessoas. E eu nunca soube explicar o porquê, nem mesmo procurar muito a fundo. Ele é fascinante aos meus olhos, como um quebra-cabeças que não possui todas as peças e cada uma das que falta foi deixada numa galáxia diferente pra evitar que seja montado. Eu jamais visitaria galáxias por Jack, por mais que ele merecesse. Quem sabe não crio minhas próprias peças-coringa?

Aquela noite, ouvi um pedido de socorro. Mas estava presa e não conseguia me direcionar a estender as mãos.  Sinceramente não sabia de onde vinha aquela voz. Mas estava sofrida ao ponto de não me assustar, e sim me dar aquele nó na garganta que quase puxa as lágrimas em ato reflexo. Um tipo de nó diferente. Os nós normais seriam desfeitos facilmente pelas amídalas. E de repente foi como se meus sentidos fossem sufocados e ‘tchun’, lá estava eu em outro lugar diferente, vendo Jack sem que ele pudesse me ver.

Era noite, e aquele lugar onde Jack estava foi meu templo durante alguns anos. Passada a rodoviária e a Igreja, descia-se o escadão, depois um enorme morro, mais uma Igreja e então o para-peito dos meus maiores e mais fiéis pensamentos. A Igreja abandonada, as pequenas muretas, chão de pedras, de um lado árvores, do outro a frente da Igreja e do outro a visão da cidade triste e uma passagem por um lugar, que era agitado demais. Sempre achava estranho como eu pude encontrar meu canto de reflexão há alguns metros acima de uma rua tão agitada onde circulava tudo o que sempre me deixava tão confusa. Só sei que ali era como se não houvesse mentiras. Nem de mim pra mim mesma. E pelo visto Jack andava passando por algo que o levasse ali, onde ele não conseguiria conter seu emocional com ações fortes e calculadas.
Jack tinha os olhos alagados. Seu rosto exprimia algo como uma faca cravada por um amigo nas costas. Até seus movimentos eram dignos de alguém que estava perdido em si mesmo. O olhar para as estrelas conseguiu com que ele apagasse uma. Sua situação era como raiva e tristeza juntas, a tristeza era a parte sólida e a raiva a cobertura. Suas mãos me pareciam geladas, a boca estava seca e o coração aos pedaços.

(Doutor, eu sei de uma coisa: ninguém merece o amor de Jack! Traíram novamente a confiança dele. Eu não quero que Jack fique assim, me volta pro meu corpo agora, está ouvindo?)

De repente, pelo outro caminho surge Ana. (Ana? O que você está fazendo aqui? Você e Jack nunca se encontram. Como assim? Doutor parece que isso tudo está acontecendo dentro de mim. Ajude-me doutor. Algo de ruim está me tomando. Ah Doutor. Não me deixa assim).

Ana vai rumando a Jack. Não o olha nos olhos. Apenas assenta-se a seu lado.  Ana é o símbolo da calma. É do tipo que sempre vê um lado nas coisas que não existe. Ana é o perdão personificado. Ela sempre está pronta para as coisas que dão errado. Pronta a um ponto desprezível, que rebaixa seu próprio valor. Em sã consciência, Ana é do tipo que me dá ódio, mas quando meu coração está mexido, é ela que guia minhas ações.

Jack olha pra Ana, dando de ombros com o subliminar, ‘sei que você já sabe’ e dentro de Jack, vejo o “Ó Ana, não me julgue por favor”. Subitamente ele começa a falar. Sua voz está trêmula como se as lágrimas estivessem vibrando suas cordas vocais.

- Hoje é sexta. Aquela sexta desde então não sai da minha cabeça. E desde então todas as sextas são iguais.

Jack percebe que está falando de uma forma que quase nunca fala. Jack estava sendo claro, e isso o assustava. Então vira-se de costas pra Ana, olhando para a frente da Igreja e evitando ver qualquer coisa que possa se mover e desconcentrar seus pensamentos ao ponto de levá-lo a ser direto demais . Conheço Jack, ele estava culpando o movimento da cidade a uma distância incalculável, por sua frase simples. Jack não aceitava nunca se tornar simples e previsível.

- Todos temos atitudes pecaminosas, eu sei Ana. Mas estas não podem ser voltadas contra alguém.  Atitudes não são jogos. Não é azar ou sorte, as vezes guiado por estratégias, mas sempre nas mãos do destino. Não Ana. Uma atitude soou como um tiro pra mim. E uma atitude pecaminosa num momento em que eu estava sendo o pecado.

Ele articulava os braços em gestos que o fazia chorar com as mãos. Jack estava realmente muito agoniado.

(Ó Jack! Ela não te merece. Ninguém te merece! Mas se é por pecado, pensa no tanto delas que te procura e que faria tudo por você. Foque-se Jack. Você não precisa disso. Foi um encanto idiota. Só isso.)

- Hoje vejo aquelas madrugadas de conversa como tempo perdido. Deveria ter praticado meu ócio criativo Ana. Perdi algumas horas das que mais gosto partilhando com ela um pouco de meu mundo paralelo. Os diálogos Ana eram fascinantes, me entorpeciam. Sorri sozinho algumas vezes pensando nela, sem nada, só por pensar nela. Sou um apreciador das boas companhias. E ela assim se mostrou antes de me magoar. Me magoar é pouco. Quando fecho os olhos, a imagem me vem com mínimos detalhes, das mãos dadas à cabeça no ombro. Um trauma Ana. É isso. Só assim se define.

Ana que nunca falava gaguejou uma frase com medo do que Jack iria achar:

- Pense no que veio antes, apenas.

- Antes? Há! Ana, o antes é apagado quando se comete erro. Você não é mais antes, você se torna adiante. Aquele brinquedo inofensivo torna-se mais ameaçador que um pacto com o demônio. A graça se perde exatamente no momento em que se pergunta o por quê. Ele não existe Ana. A piadinha que parecia tão intelectual e que despertou tanto de mim hoje me soa como uma perda de tempo e meu fracasso rumo às pessoas que não prestam. Ali está materializado o alicerce da minha tristeza. E algo que me descontraiu durante algumas tardes hoje me abaixa os olhos e trás ainda mais a visão. Uma visão que sempre vem sem nada, mas quando está por perto, vem mais. É um lixo. Ali está a minha derrota.

Eu sentia o coração de Jack bater, até pedir para saltar pela boca. Os olhos eram agora o Oceano Pacífico, e ele estava se encolhendo. Eu via a hora em que se tornaria um caracol. Jack sempre combinou mais com as girafas, esguias e sem medo da cabeça na altura. Jack agora parecia sentir vergonha e querer sumir. Ana observava e o fato dela não estar tentando convencer Jack me assustava. Nem Ana saberia o consolar. Eu quero matar essa infeliz que arranca lágrimas de Jack.

- Eu sei perder Ana. Passei por isso muitas vezes. Mas o que se vê dói mais. É como ver um último suspiro de uma pessoa antes da travessia. Só comparo essa situação ao último olhar da minha cachorrinha há uns atrás. Lembro da carinha dela antes de me abandonar, a imagem se forma nos detalhes. Pode parecer uma analogia besta Ana. Mas lembro daquela cena como o último momento da minha melhor amiga.  E desde então as sextas perderam o sentido...

- Ouça as explicações.

- Já ouvi. Defeito das pessoas muito cheias de si, me soou como algo facilmente esquecível. As coisas não são assim Ana. Me sinto por dentro como um livro de antropologia que conta uma história chata, mas que você pode tentar achar a explicação. E pode ser ele. E pode não ser. Essa vida é uma ironia. Sei que não tenho o controle de tudo, mas qual a resposta? Como múltipla escolha, ou é aquilo ou aquilo outro e pronto. Simples assim. É disso que preciso. E me pergunto, isso vai se repetir? Como se tornou a relação depois daquilo. Eu não sei de nada Ana. Nada.

(Doutor, Jack continua com ela. Sempre que ele quer achar as explicações é porque ainda acredita ser possível engolir. Jack, isso é uma cactus. Antes de você engolir, vai demorar a descer e machucar tanto a sua garganta. Cospe!!! É uma ordem.)

- E agora, todas as sextas me trazem de volta a mesma tristeza. E agora ainda mais, porque me afundei na parte boa dela. Me compliquei. Minha cabeça é um labirinto. O que eu sinto é forte, o que eu falo é pouco, o que demonstro não sei. Ainda faço tudo por ela. Fui assim por poucas pessoas nessa vida. E não vou me perguntar o por quê para que não perca novamente o encanto. Eu não sei que rumo as coisas tomaram. Era meu paraíso, tornou-se meu abismo e minha assinatura de fracassado. O que é agora Ana? O que? O que ela quer?

Ana levantou-se.

(Não Ana, não. Te conheço. Não deixe Jack ser ridículo, abra os olhos dele. Você é desprezível Ana. Eu odeio você!)

Ana , enxugou as lágrimas de Jack e lhe deu um forte abraço.


O abraço de Ana foi o inferno de Jack. Ele queria voar, mas não podia mais. Pelo visto Jack finalmente entregou a alguém sua alma.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Abismo


                Ando ensaiando alguns discursos pra algumas fases da minha vida. Certos textos pré-elaborados, podem ser usados para mais de uma pessoa e para mais de mil situações. Uma adaptação daqui, outra dali, mudanças nos pronomes de tratamento, emprego certo do ‘jeitinho brasileiro’, e pronto. Metade dos meus problemas são resolvidos. Em alguns casos mudo a voz, o jeito de olhar, mas nada que me exija mais de 3 segundos de pensamento puramente mecânico. Tenho uma queda sentimental pela teoria dos 3 segundos. Uma vez aprendida, o mundo nunca mais foi visto do mesmo jeito por mim. Se você tiver o controle da situação, feita qualquer que seja a ‘cagada’, você tem 3 segundos para alcançar o inconsciente de quem foi atingido pelo erro e mudar. Mas apenas 3 segundos, então, raciocine rápido ou nunca se dê a condição de errante. E então eu descobri a fórmula que possivelmente acabaria com a maior parte dos meus problemas da vida: regra dos 3 segundos + discursos pré-elaborados. Pronto. Com isso sua chance de ser um ganhador aumenta em aproximadamente 25%. Parece pouco, mas comece a ver por esse ângulo a partir de agora e esses 25%, são na maioria das vezes tudo o que você precisa!

“Doutor, me ajuda. Comecei com minhas teorias malucas de novo. Onde está o senhor? Creio que deveria ser um deus para mim. Embora eu sempre o mande calar a boca, a sua presença me faz bem.”

A verdade é que nesse momento, os discursos que eu tinha falharam. Como assim? Estou sem palavras? Confusa? Natália, você sempre teve o controle da situação... Acorda Natália, o que causou essa interferência em seus pensamentos? Auto controle... Auto contro... Aut...

Jack é assim como eu. Também tem pensamentos estranhos e também é uma pessoa que não faz muito sentido. Por isso nossa amizade deu certo de cara. Jack é um homem encantador. Não me olha nos olhos, me questiona e me intriga. Aparece apenas quando sente que preciso de seu ombro amigo. E ri de mim quando estou assim sensível. Jack só aparece quando estou sensível e há um passo da beira do abismo. O abismo para nós dois tem uma conotação diferente, onde o resto do mundo chamaria de oasis ou paraíso. Essa noite, Jack apareceu. Sentou-se a beira da minha cama, afagou meus cabelos me pedindo que não abrisse os olhos. Simplesmente curvou-se contra meu rosto e disse sussurrando em meus ouvidos:

“Admita!”

Após isso, já não havia mais a presença da energia de Jack, ele se fora me deixando novamente com mil interrogações dentro da cabeça. Ah Jack! Por que você faz isso comigo? O abismo está há poucos centímetros de mim e você quer que eu admita? Como assim admita? Você está abalando a nossa amizade. Estamos em uma placa tectônica dessa vez. Jack, já não existe mais Pangeia, repense esses seus atos. Você me fez chorar hoje. E isso não é nem um pouco elegante.

“Doutor, você e Jack estão me apunhalando pelas costas. Onde compraram essas adagas? Parecem ter a mesma afiação.”

A frase de Jack, constituída de uma única palavra, um verbo no imperativo me soou muito mal e alojou-se dentro de mim de uma maneira insuportável. E eu acordei em plena madrugada, quando normalmente não estou dormindo (A madrugada é linda pra perder tempo com os olhos fechados) atormentada. E o ADMITA cravou-se, me deixando refém do meu conjunto, corpo, alma e pensamentos. E aí sim,  quem tinha o escudo dos 3 segundos mais discursos pré-elaborados, tornou-se um espírito fracassado numa proporção de aproximadamente 50% mais que das outras vezes. E isso estava me deixando incomparavelmente irritada.

Ao longo do dia, nada fazia sentido, só a frase de Jack e os mistérios que o doutor jogava no ar. A sensação de asfixia foi dominando. E mal da criatura que não sabe desabafar: se sufoca até que alguém chegue e encha forçadamente seus pulmões.  Sufocar-se conscientemente é impossível. Bom, pra mim não. E aí, antes de admitir que você precisa de ajuda, antes de se mostrar vulnerável, o consolo de todo humano que se preze: um boteco.

“Doutor, hoje eu vou me embriagar. De raiva. Algo está me deixando fraca, sugando minhas energias. Esse algo sou eu mesma e um sentimento estranho que me deixa a mercê de minhas fraquezas. Eu jamais chamarei um abismo de oasis. E me deparei com ele. Mas eu não vou pular. Ainda não. Não vou pular até que esse seu rosto de galã de quinta categoria com esse sorriso que era pra ser sexy e no entanto é nojento e a frase de Jack me mostrem que realmente vocês tem razão. E o senhor se prepare, porque antes de cair, ainda o culparei muito por não ter conseguido me curar desse mal. Lembra-se o porquê de eu ter o procurado? Lembra-se o que aquele classificado de jornal onde achei seu número prometia?  O senhor pode ser processado por isso. Está fazendo o contrário. Antes eu tivesse vendido minha alma pro diabo...”

Uma dose, duas doses, três doses e o mesmo pensamento. Que pensamento é esse que anda me corroendo? Essa coisa estranha que me deixa em estado de alarde desde aproximadamente 23 horas do dia 26 de dezembro?  Como algo tão pequeno (literalmente) pode ocupar tanto espaço? Eu cavei meu abismo! Eu cavei meu....

“Jack? Voltou? Não saia daqui agora. Não antes de me dar uma explicação”

“Admita! É a explicação que você merece.”

Num ato reflexo, com essas palavras mais teor alcoólico, junto à visão do que considero meu abismo e pouco antes de desmaiar, vem a consciência súbita e indevida e o ponto positivo pros meus maiores ‘ini-(a)migos’.

A Pangeia vai se transformar...

Admito. Meus pensamentos são fieis a ele.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Onde um desafio pode levar



            Após percorrer algumas quadras em plena madrugada observando a rua escura, com pequenos grunhidos de animais que nem sei quais são, fui pensando em tudo o que me tem ocorrido ultimamente e que tem na maioria das vezes me tirado o sono e me colocado em momentos de reflexão compulsivos:  horas olhando para o teto, horas me arrancando um sorriso idiota e sem motivo, horas me levando a sentar numa cadeira de plástico no terraço e ter esse momento contemplativo, tido como uma cochilada normal de alguém na laje. Eu queria ser como um desses bichos da madrugada!  (Preciso dizer isso ao Doutor). Sou uma pessoa boemia. Tenho fascínio pela noite e pelas suas possibilidades. Gosto de passá-las acordada em boas companhias ou mesmo só fazendo coisas que me agradam.  A Lua é a paixão de qualquer humano que se preze. O Sol também é belo, mas esquenta muito, clareia muito e põe a vida dentro dos conformes. Não sou uma mulher de conformes.  Aliás, que tipo de mulher sou? Tenho uma opinião formada, mas creio que essa opinião muitas vezes tenha o poder de assustar e até mesmo afastar as pessoas.  Sou como qualquer outra, às vezes, confesso um pouco mais sensível e com dilemas que me tornam problemática. Mas tenho as vontades de uma mulher normal em ter uma vida legal, ao lado de uma pessoa legal, uma velhice legal. Coisas clichês, que, no entanto se diferenciam pela minha maneira de ver o mundo e pelos meus gostos que confesso, não são na maioria das vezes nos padrões  das pessoas que são julgadas corretas no mundo. Mas quem é correto no mundo? Ah, não me importo. Tudo tem seu momento certo.
          Então, depois de umas quadras envolvidas em tantos pensamentos que não tem uma lógica ou continuidade sequer, chego ao destino final. Aquela casa velha, rústica, com aquele divã onde sento e posso contar todas as minhas verdades. Desenfreadamente dou meus delicados toques na porta. O Doutor sempre sabe quando preciso dele nesses momentos de emergência existencial.
           - Doutor,  abre essa porta. Preciso muito conversar com você!
         Ele vem, enrolado em seu roupão, e com toda a gentileza do mundo abre a porta com aquele sorriso que me leva à loucura por me trazer todo o conforto do mundo.
          - Você por aqui noturna? Já era de se esperar. Há tempos sequer manda sinal de fumaça. Aliás, já conversamos sobre a fumaça. Espero que tenha se afastado ao menos um pouco dela.
          - Sim Doutor, as vezes sigo os seus conselhos, acredite em mim. Será que podemos conversar um pouco? Há algo em mim que anda me sufocando e sei que subjetivamente ao lhe contar você saberá do que se trata e me dará nem que seja o olhar certo.
           - Entre noturna. Sei que quando algo lhe deixa assim o meu divã é o que precisa para se abrir. Mas enfim, você se abre em enigmas. És uma mulher bem estranha. Creio que tenha dificuldade em conviver com as outras pessoas ou que use máscaras para elas.  E acho que será assim até que encontre outra pessoa que lhe compreenda do seu jeito. Aí sim se sentirá mais solta. Ou alguém que lhe conheça nas entrelinhas. Mas venha comigo.
          ‘Vade mecum’ e sente-se. Vamos começar. E dessa vez, faça o monólogo se necessário.
          - Doutor. Eu queria ser um bicho da noite. Como os que ouvi quando vinha pra cá. Esse fetiche pelo céu escuro nunca se cura. É nas noites que vivo, nas noites que sinto, nas noites que me encontro. Como uma coruja, um morcego, um vampiro. ..
          Ele me interrompe abruptamente me fazendo virar do divã e olhar para ele. Olhos nos olhos. Como odeio! Odeio olhos nos olhos Doutor. Aprenda de uma vez isso.
          - Querida, sei que deveria lhe deixar falar, mas sinto pela sua voz e pela rapidez com que fala que está mudando o seu foco. Pare de fugir do assunto. Quando você fala muito, eu sei que tenta se esconder. Vamos. Tome essa xícara de café, feche os olhos e fale o que está acontecendo.
          Realmente me assustei. Não esperava essa reação dele. Mas obedeci aos comandos e resolvi desenvolver o meu monólogo com toda a paz que eu me propusesse a ter. E se não tivesse. Adeus xícara. Você vai pro espaço.
          - Doutor, eu estava esperando a passagem dos dias na busca de minha inspiração. Eu tenho medo das inspirações. Desculpa Doutor, hoje tudo será muito subjetivo. Se algum dia alguém souber do que digo, preciso ter sido um pouco rebuscada para que a interpretação não seja tão fácil. A inteligência tem me deixado pensando mil vezes antes de falar. Inteligência ou feeling pelo assunto, ou técnicas estudadas. Não sei bem.  O fato é que, tenho medo do jardim murchar. Tenho  medo de quantas flores possam ser arrancadas dele. E de quantas pintas do dálmata podem sumir e do quanto o gel pode abaixar algo que tanto me atrai.
           Sabe as coisas impossíveis Doutor? Elas me movem e eu não me canso de lutar por elas. Dizem que no impossível a concorrência é menor. Mentira Doutor. A concorrência é maior e injusta. Composta pelos artigos mais belos de um antiquário, pelas peças mais caras de uma joalheria, pela matéria esculpida em carne normal, mas lapidada com perfeição não sei se por uma vaidade tola e fútil ou por uma vaidade tola e fútil mesmo. Vejo beleza, uma beleza injusta, mas não vejo o que a complementa, o que a torna bela e fundamental. E aí penso se estou julgando demais. Ah! Justo! Estou Doutor. Estou julgando. Mas essa beleza sempre vence o conteúdo. Isso me amedronta muito. Isso ameaça o jardim, ou a companhia que uma vez disseram ser ideal. Doutor, esse meu prazer por coisas estranhas afasta e coloca outras acima. E mais, até eu mesma as coloco acima. Onde está o amor próprio em tudo isso? Não sei. Nunca me apontaram o porquê eu devesse o ter.  Eu vejo a beleza por tantos os cantos e murcho com ela. Sinto-me ameaçada. Mas é o impossível que me mantém. É por ele que sinto razão e vontade ao lutar. Os desafios... Ah Doutor eu sou viciada em desafios. Ainda mais desafios das noites. E quando noites e desafios se completam, é fato. Eu perco a cabeça.
           - Querida, desafios são as tarefas ou situações que testam habilidades ou o ato de lutar para conquistar algo ou alguma coisa.
            - Comecei ainda bem nova por essa etapa. Sempre desafiei tudo o que pude. Sem medo algum de perder. Mas na maioria das vezes eu ganhei com êxito. Como nos festivais de poemas da escola, às olimpíadas de matemática, às propostas aos meus pais, vestibulares, graduações, amores a primeira vista, o sorriso do cara carrancudo e mal humorado que ninguém pensava conseguir. Doutor, o que é intangível na teoria é a coisa mais linda do mundo. Gosto do intocável, do inalcançável, do que se faz impossível pra mim. Do que me intimida e me desafia. Me desperta lágrimas e sorrisos.
          - E qual a sua dúvida?
       - Devo tratar como desafio ou como algo imaculado e respeitar ficando simplesmente nesse platonismo tão lindo que cultivo e que me faz bem/mal/sorrir/chorar... Luto pelo inalcançável, mesmo sendo a concorrência injusta e bela? Calo-me? Mostro-me? O que faço Doutor? Eu amo desafios. Mas este está me levando à loucura. Já não seria a hora de ver que devo me curvar e que esse desafio me venceu? Deixá-lo como algo imaculado é o melhor? Ou devo continuar na busca do toque e entrar nessa guerra? Ah Doutor, me olha, deixe-me vê-lo e aceitar o que seu olhar vai me  mostrar mais uma vez o que suas palavras vão diriam.
         - Noturna, não terás apenas meu olhar. Esse seu prazer pela noite, talvez diga tudo o que alguém deve escutar.
         - O que acha sobre essa situação Doutor?
         -  Posso definir a você com quatro letras ou com seis letras. Qual você prefere?
       - Prefiro que o senhor cale a boca. A Lua ainda está muito bela. Preciso ir embora pensar no imaculado sem essas suas definições. Elas me amedrontam.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Um pouco de tudo o que acaba



Vou me formando de um pouco de tudo o que acaba, e obviamente de tudo o que sempre permanece. Dos primeiros  aos últimos intercalando os eternos.
Sou um pouco da minha primeira boneca, do primeiro batom, do primeiro perfume. Do meu primeiro passeio de pedalinho,  do primeiro algodão doce, do primeiro beliscão, do primeiro castigo e do primeiro 10 na escola. Do primeiro beijo, da primeira vez, do primeiro amor, da primeira decepção. Do primeiro chifre, da primeira poesia e da primeira música que compus. Do primeiro porre, da primeira sms que mandei entorpecida, da primeira lágrima de amor, do primeiro abraço de perdão. Do primeiro colo que me consolou, do primeiro Eu te amo dito publicamente e da primeira lembrança de todas as primeiras coisas.
Sou muito dos últimos acontecimentos. Do último fracasso na faculdade, da última crise de depressão, do último beijo, do último perfume que impregnou  meus travesseiros. Da última bebedeira pra esquecer o que se quer é esquecível, da última vez, do último amor, da última vontade e da última coisa que me fez chorar.
Assim são todas as pessoas. Uma parte daquilo que é primeiro ou que é último, mas que faz parte daquele momento que  te marcou a memória, o coração e as vezes até o corpo.
O fato é que somos parte de tudo o que acaba. E tudo acaba o tempo todo em qualquer parte do mundo.
Em alguns segundos você pode deixar de ser parte dos planos de alguém e pode ser o suspiro de outro. Pode arrancar um sorriso bobo,  uma lágrima, um calafrio.  Você é desde aquela inicial gravada numa árvore àquele arranhão que marcou alguém por amor.  Você se eterniza a cada ação que deixou em alguém a nível físico ou sentimental. Por isso cada momento é importante.
Somos feitos de instantes assim como os quebra-cabeças são feitos de pequenas peças e um castelo pode ser montado de lego ou areia.
Sou aquele café da manhã que preparei com carinho e servi na cama. Aquele machucado deixado sem pudor numa situação sem mais pudor ainda. Aquela primeira vez daquele menino bobo e apaixonante.  Aquela má resposta naquele outro. Aquele sofrimento da adolescência de outro. Uma carta de amor no fundo da gaveta já mofada após 15 anos, o motivo de uns terem aprendido a nadar e de outros terem afogado. Aquela piada que não parecia ter a menor graça, mas se encaixou em uma situação, aquele lugar, aquele cheiro de morangos e aquele motivo de brigas.
Quero ser aquele motivo de risos dele. Aquele telefone na agenda com magnetismo com os dedos, aquele jardim bem cuidado com rosas que espinham apenas quando se sentem ameaçadas.  Quero ser o plano de alguém, o colo, o conforto, a companhia. Quero ser o motivo de discussões interessantes e de gargalhadas bem dadas nos momentos mais errados para aliviar a tensão.
Quero ser a tensão sem o n, roma ao contrário, o motivo de se mostrar os dentes numa posição arqueada formando um ‘U’, o que parece nó na garganta e é frio na barriga, o coração após chegar de uma corrida de São Silvestre, a primeira gota de água após 30 minutos pedalando no sol de meio dia, o oposto ao pesadelo, o inverso de sanidade, a tremedeira nas pernas, o que vem na cabeça quando se quer pensar em outra coisa, o cobertor, o café quente sem açúcar, o último fósforo e a última vela quando a luz acaba, a única dose de conhaque que se tem em casa no inverno, o rolador de dados necessário nas horas de solidão...
Aproveite  e se faça nos momentos. Somos realmente uma parte de tudo que acaba. E pequenos instantes são as chances de se conquistar o que se quer. Faça uma boa imagem em poucos segundos. Isso pode custar a sua felicidade.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Transformação

E um dia a gente se olha no espelho e já não é mais a mesma pessoa. O tempo passou... Já existem marcas de expressão, olheiras, e um semblante mais adulto. Andar de meias perde um pouco a graça, se quer pisar no chão para ter o mínimo que se seja de realidade. Os sonhos mudam. Pintamos o arco-íris em tons de branco, passando pelo cinza e chegando ao preto. Ou preferimos ver o arco-íris somente quando ele aparecer. Começamos a ver que as flores, bom, elas morrem, e nós não choramos por elas. Mas as usamos quando morremos para que chorem sobre nós. Não meu amigo, quando você morrer eu não vou lhe mandar uma coroa de flores! Vou lhe mandar flores enquanto você estiver aqui comigo.
O tempo passa e a gente nem se dá conta, e de repente já se vê mulher. Com problemas de mulher, assim como a mamãe várias vezes teve e agente achou que era velhice. E hoje damos a essa velhice o nome de maturidade. Todos os dias uma dor, um problema a resolver, reclamações, noites não dormidas. E aí a busca do que uma vez vi chamarem de "alegria artifical". A cápsula da tranquilidade, da felicidade. Me viciei nelas, mas ainda não me sinto tranquila ou feliz o bastante. Sem o equilíbrio elas não são nada. A vida da gente só muda quando resolvemos que ela deve mudar.
Hoje, me vejo mais mulher e decidi que ela deve mudar. O amor, bom, ele as vezes passa como as flores, as vezes deixa seu perfume, as vezes só as folhas secas. Talvez o pássaro que ama o peixe vai viver pensando nele sem poder tocá-lo. Talvez ele atinja o equilíbrio e possam se encontrar as vezes na superfície da água, à margem de algum rio. Talvez o pássaro aprenda a nadar, e dar mergulhos profundos, ou o peixe aprenda a voar.
Talvez eu aprenda a ser mulher. Talvez você aprenda a ser meu amigo. Talvez saibamos a hora certa de mandar as flores... aprendamos a cultivar um canteiro. E com isso pode ser que eu aprenda até a hora de dar os telefonemas. E de reclamar da dor. E de tomar as minhas pílulas. A verdade é que hoje despertei para algo que existe dentro de mim, uma pessoa querendo ser madura com a doçura de uma criança. O tempo, ele passa para todos nós. É! Ele não volta atrás... Não, não quero mais tempo. Quero sorrir, e encarar a "velhice" como a mamãe. E ter as minhas responsabilidades. E meus sonhos um tanto quanto modificados.
Sabe, as vezes a vida é dura demais com a gente.